Francis Wilker é professor
da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, diretor do
grupo brasiliense Teatro do Concreto e licenciado em Artes Cênicas
pela UnB.
Em
entrevista ao Jornal do Professor, Francis Wilker defende a
utilização do teatro na escola e diz que ele possibilita, entre
outras coisas, que os estudantes se interessem mais pela escola, pelo
conhecimento, por fazer parte e descubram que podem ir além do que
pensavam ser capazes.
Ele
sugere aos professores que incentivem nas peças um caráter mais de
reflexão, de levantamento de questões. “É tão bom quando uma
obra de arte nos deixa perguntas ao contrário de nos oferecer
receitas prontas”, salienta.
Qual é a importância do teatro na escola? Que
benefícios pode trazer aos alunos?
FW - O teatro é uma linguagem, uma área do conhecimento
humano com conteúdos específicos. Estudar teatro na escola é uma
oportunidade de conhecer essa linguagem e ser capaz de ler o mundo
por outra ótica. É uma arte que envolve nossos sentidos, emoções,
conhecimentos e toda a nossa história de vida, a subjetividade de
cada pessoa, seja estando em cena, seja como espectador. Essa
comunicação se dá por outra via que não é a mesma de outras
áreas do saber, como a ciência, que tem outros códigos e
discursos. Então, ter acesso a essa linguagem é um direito de
nossos educandos, porque nela descobrirão outros “instrumentos”
para olharem, sentirem, analisarem e transformarem o mundo ao redor,
de forma mais sensível, crítica e criativa.
No
aspecto do fazer, criar envolve tecer relações complexas entre
diferentes elementos, então, ao fazer teatro, estudantes estão
elaborando “composições”, juntando coisas diferentes: uma forma
de andar ou se deslocar pelo espaço, o texto que é dito, a roupa e
objetos de cena, que carregam também significados, o sentimento que
desejam expressar em cada ato físico ou verbal, etc. Percebam que
são muitas as questões numa cena e o estudante está aprendendo a
associar todas essas informações e elementos na busca de criar um
sentido para sua cena, elaborar um discurso. Nesse sentido, criar
envolve habilidades complexas de estabelecer relações com conteúdos
aparentemente distintos. Será que na vida somos convidados a isso?
Será que uns desenvolvem mais essa capacidade e outros menos? Talvez
alguns tenham oportunidade de, pelo fazer, identificar e
potencializar essas habilidades e outros não?
No teatro
não aprendemos apenas fazendo, mas também assistindo as encenações.
Quando conhecemos os elementos dessa linguagem nossas leituras de uma
obra teatral podem atingir camadas mais profundas que apenas a
dimensão do gostei ou não gostei. Diante de uma cena somos afetados
por sensações, emoções e uma série de informações que estão
ali presentes no que é feito, dito e no como é feito e dito. Como
lemos essa obra? Que relações somos capazes de criar? Que memórias
pessoais são “acordadas” quando vejo essa cena?
O contato
com a obra de arte nos possibilita, a partir da experiência pessoal,
construir diversas significações acerca do mundo e de nós mesmos,
ou seja, altera pontos de vista e ajuda a construir nossos próprios
discursos sobre a realidade. O exercício de “ler” um trabalho
cênico mobiliza a nossa capacidade crítica, de reflexão, de
síntese, e, principalmente, de estabelecer relações. É importante
criar na escola atividades que criem espaços de reflexão crítica
sobre as peças, que possam explorá-las a partir do tema e, também,
a partir da forma como se construiu poeticamente essa abordagem. Será
a partir da análise do fenômeno teatral em suas várias dimensões
que os estudantes poderão aprimorar a sua compreensão do discurso
cênico. E é esse exercício que mobiliza habilidades importantes
para o aperfeiçoamento pessoal, social, cognitivo e produtivo.
Como os professores que não têm experiência com teatro podem
utilizá-lo com bons resultados?
FW – No
geral, quase sempre há nas escolas alguns educadores ou educadoras
que têm um apreço pelo teatro. Geralmente esse interesse está no
uso do teatro, da dramatização como um recurso para ajudar os
estudantes a elaborarem e se apropriarem de um conteúdo escolar.
Então, você vai criar uma peça sobre métodos contraceptivos, ou
sobre a colonização dos países africanos ou sobre o quinhentismo
na literatura brasileira, etc. Para muitos estudantes no Brasil esse
é um dos únicos contatos com a linguagem do teatro. Eu mesmo tive
minhas primeiras experiências na aula de literatura. O que ocorre
aqui é que o foco está no conteúdo a ser trabalhado e não no
teatro como linguagem e área do conhecimento com elementos próprios.
Isso não é algo ruim, o teatro nesse caso é um instrumento
didático. Acredito que o importante é a escola criar oportunidades
para que os estudantes possam aprender e vivenciar o teatro para além
dessa perspectiva instrumental. Para isso, o ideal é que cada escola
tenha professores de teatro e naquelas que não têm isso ainda
efetivado, que os professores que gostam dessa arte possam ler mais
sobre teatro, ler peças e procurar assistir mais encenações. Para
regiões onde isso ainda é um desafio, talvez a internet possa
ajudar um pouco a ampliar as referências que os educadores têm do
teatro por meio de textos, imagens e vídeos.
Outra
sugestão que gostaria de deixar é que incentivem nas peças feitas
na escola um caráter mais de reflexão, de levantamento de questões.
É tão bom quando uma obra de arte nos deixa perguntas ao contrário
de nos oferecer receitas prontas. É tão bom quando uma obra de arte
nos convida a pensar ao contrário de nos dizer o que devemos pensar
e sentir daquilo que estamos vendo. Enfim, que deixem espaços para o
espectador criar e pensar e não tentem “catequizar” o público.
Qual a idade mínima que os alunos devem ter para participarem de
teatro na escola? Há uma faixa etária mais adequada para a
participação em espetáculos teatrais na escola?
FW –
Nas séries iniciais do ensino fundamental, as crianças estão numa
fase onde se trabalha mais com jogos dramáticos, para nas séries
seguintes ir trabalhando com jogos teatrais e aprofundando mais no
conhecimento e vivência da linguagem. Em todo caso, penso que o
importante é a escola não perder o foco do processo de aprendizagem
em busca de um resultado final, que seria o espetáculo. Criar uma
peça pode ser um laboratório muito rico de aprendizagem pessoal,
relacional, cognitiva, produtiva. Imagine quanto conhecimento está
em jogo numa atividade onde você precisa se relacionar com o outro o
tempo todo, onde você precisa se expor. Quantas pesquisas e
conhecimentos podem ser acessados em relação ao tema trabalhado e
também sobre a própria linguagem cênica... Temos aqui um terreno
muito fértil para aprender, para instigar nossos estudantes. Por
isso, ficar focado no resultado apenas, na peça que tem que ser
feita para o evento tal, pode diminuir um pouco a “fertilidade”
desse processo. O que estou tentando dizer é que na escola penso que
o foco é o processo de criar a peça, tudo que podemos gerar de
aprendizagem nele e não apenas o resultado (a peça), embora eu
também ache o resultado importante e já tenha visto coisas muito
bem feitas nas escolas. Outro cuidado talvez seja não exigir de
crianças e adolescentes um estágio de trabalho que não seja
apropriado ao momento em que estão, apenas para “ter uma peça boa
no dia do evento”. Isso seria passar por cima do processo
pedagógico e de criação.
Há
algum tipo de peça teatral mais recomendada para ser encenada na
escola? E quanto aos autores, há alguns mais recomendados? Ou em sua
opinião, é preferível que as peças escolares sejam criações
coletivas dos alunos?
FW – Eu
penso que a escola deve ser sempre um espaço de diversidades –
plural na sua natureza e conteúdo – assim, se os estudantes
tiverem a oportunidade de conhecer diferentes referências de teatro,
de texto teatral, de tipo de encenações, mais rica será essa
educação. Isso pode ser organizado levando em conta a faixa etária
dos estudantes e os conteúdos que devem ser enfatizados a cada
série. No aspecto do texto teatral, temos muitos autores nacionais
com obras de qualidade que podem ser mais ou menos apropriado à
determinada faixa etária. Maria Clara Machado e Sylvia Orthof, por
exemplo, têm excelentes textos mais voltados para o público infanto
juvenil. Autores como Nelson Rodrigues e Plínio Marcos talvez já
fossem mais recomendados para o ensino médio ou séries finais. Aqui
o mais importante é o contexto em que essas obras serão trabalhadas
e como serão abordadas. A lista de autores é bem grande, sem falar
nos dramaturgos contemporâneos. Quanto à criação coletiva ou
dramaturgias construídas a partir de um processo de pesquisa com os
estudantes, são muito bem vindas também e podem resultar em textos
riquíssimos.
O que
penso é que seja partindo de um texto pronto ou construindo um
texto, é muito importante o educador ajudar a ampliar os horizontes
de leitura e busca de referências, ou seja, vamos partir daquele
conhecimento que nossos estudantes trazem consigo, mas, precisamos
sempre ir além dele, afinal, a escola é onde abrimos portas e
ajudamos a criar pontes para novos mundos. Não podemos sair de uma
experiência assim sabendo apenas o que já sabíamos antes.
Que disciplinas ou conteúdos disciplinares podem ser desenvolvidos
em uma peça teatral?
FW – O
teatro é uma área coletiva e interdisciplinar por natureza. Na cena
temos o encontro da música, das artes visuais, cênicas, da
literatura... enfim, de muitas áreas do conhecimento humano.
Qualquer tema pode ser trabalhado numa peça de teatro e envolver
diferentes disciplinas, isso exige diálogo entre os professores e a
capacidade de buscar relações com sua área. Vamos pensar num
simples exemplo: se trabalharmos um texto como O Beijo no Asfalto, do
Nelson Rodrigues, que conteúdos filosóficos, sociológicos,
históricos, geográficos, estão ali presentes? Como era a economia,
a política, a ciência naquele período? Como é hoje? O que nos
distancia e o que nos aproxima daquele contexto? E se partirmos da
pesquisa de um tema para construirmos o espetáculo, como por
exemplo, o amor, essas mesmas questões e muitas outras poderiam ser
levantadas de forma a ampliar a relação entre áreas do
conhecimento e consequentemente as oportunidades de aprendizagem.
O
senhor já coordenou, em algumas ocasiões, o Festival de Teatro na
Escola, promovido pela Fundação Athos Bulcão, em Brasília. O que
pode observar, com relação à participação de alunos e
professores?
FW – O
Festival é um projeto pelo qual tenho muito carinho, foi para mim
uma escola de pensar o teatro na escola. A Fundação Athos Bulcão
tem um cuidado no acompanhamento pedagógico dos professores que
enriquece muito um espaço que poderíamos chamar de formação
continuada em serviço. Eu poderia aqui tecer muitos fios de análise
desse projeto, mas, vou ressaltar alguns aspectos que me impressionam
concretamente: a capacidade de mobilização que o teatro tem numa
comunidade educativa, você vê, pouco a pouco, funcionários, outros
professores, direção e pais se envolvendo com a atividade; a
culminância do projeto afeta de maneira muito positiva a autoestima
da escola, do bairro; a relação entre estudantes e o professor ou
professora de teatro se torna muito mais próxima; os jovens
desenvolvem habilidades de convívio muito caras aos nossos tempos
atuais, se conhecem melhor e trabalham suas habilidades pessoais, se
interessam mais pela escola, pelo conhecimento, por fazer parte e,
para além de tudo isso, descobrem que podem ir além do que pensavam
que são capazes!
Quanto
aos professores, vejo práticas renovadas, referências teóricas e
metodológicas ampliadas, desafios de gestão de grupo como espaço
para aperfeiçoar suas habilidades docentes e um orgulho imenso de
ensinar teatro! Outra coisa que me emociona é ver a comunidade indo
à escola e ao teatro para ver aquilo que seus jovens criaram e se
orgulharem. Eu não tenho dúvidas de que uma educação pela arte
ensina muito e já vi realidades individuais e coletivas serem
transformadas.
Por
último, vivemos um tempo onde o acesso ao conhecimento se tornou
muito mais fácil, há informação por toda parte, até na traseira
dos ônibus, porém, a capacidade de ler criticamente todo esse mundo
de informação, de estabelecer relações, de se posicionar de forma
mais coerente, de se mobilizar por causas e situações, parecem ser
nossos novos desafios e isso me faz lembrar uma frase do Plínio
Marcos que diz mais ou menos assim “o mundo nunca precisou tanto
dos poetas, como agora”. Eu acredito nisso, precisamos de arte para
dar conta da vida.